sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Pequeno Romance I

      O café esfria em sua pequena xícara, enquanto aguarda aquele telefonema. Ela não vai ligar. Pequenas gotas de suas lágrimas sobre os anúncios automotivos do jornal, que lia para distrair-se. Sobre a escrivaninha, uma carta para ela, com sua letra tosca. Ela já rira dela. E já chorara ao ler seus poemas.
      Ele sentia sua falta, a queria por perto, desejava seus doces lábios e seus cabelos castanhos. Ansiava pelo seu perfume, relutava contra as memórias das noites intensas que compartilharam, dos carinhos singelos, dos abraços no parque em que passavam algumas tardes conversando.
  Ainda haviam rastros dela pelo apartamento: duas blusas, tão pequenas e macias, como ela. Olhar para elas e lembrar de como ela ficava bonita ao usá-las o fazia querer ir até a casa dela, bater ansiosamente na porta e dizer a ela tudo o que estava sentindo. Mas não podia. Ela estava noiva de outro.
  A dor apertou seu coração. Ter descoberto que ela iria se casar em uma semana o fez sentir mais falta dela do que já vinha sentindo naqueles árduos 10 meses longe dela. Por que iria casar-se tão rápido? Mal devia conhecer o novo cara... Atordoante pensamento. Tarde demais para lamuriar-se desse jeito.
  Um gole no café frio e amargo o fez pensar em como nada poderia ser pior do que perdê-la assim. Ele precisava agir, precisava dizer a ela o que estava preso em seu coração. Mesmo que fosse rejeitado, ele tinha que falar, não poderia viver com aquilo tudo guardado para sempre. Ela tinha o direito de saber que ele a amava, que sempre a amou, que se arrependia de não ter dado valor ao amor dela por ele. Ah, como se arrependia.
  Pegou seu casaco, as chaves, rompeu pela porta. Não quis esperar pelo elevador, desceu as escadas rapidamente, desejando não tropeçar. Entrou no carro, deu partida - não podia ir tão desesperado assim, ia acabar se matando com a chuva forte que caia lá fora. Respirou fundo e saiu da garagem.
  Precisou ligar o rádio para distrair-se um pouco. Uma das milhares de músicas que o fazia lembrar dela. Encarou como um bom sinal e continuou dirigindo pela cidade, até a casa dela. Será que ela iria recebê-lo? Não. Não queria pensar em coisas ruins, precisava pensar positivo. Ela iria dar-lhe a chance de dizer que a amava, mesmo que não o quisesse.
Ao entrar na rua dela, seu coração se acelerou. Sentia suas mãos escorregarem pelo volante, meio trêmulas, um pouco ofegante. Nervoso demais. Ela iria achá-lo um tolo. Talvez não fosse tão ruim. Ela poderia achá-lo coisas muito piores do que um tolo em outras situações, isso não importava agora.
  Discou seu número no celular - não queria correr o risco de bater na porta e ser atendido pelo noivo dela, seria muito constrangedor. Dois toques. Três. Atenda...
  - Alô? - ele podia ouvir sua voz de novo... Tão linda.
  - Eh... Oi, Laura. 
  - Paulo?
  - Sim. Que coisa... Como você está?
  - Ah, bem, e você?
  - Também. Queria falar uma coisa com você, tem um minuto?
  - Claro, pode falar. - ele podia sentir o sorriso dela pela voz.
  - Eu estou aqui na frente da sua casa. Prometo falar rápido.
  - Aqui?! Nossa... Estou saindo, só um segundo. - e desligou o telefone.
  Ela estava brava por ele estar ali? Tomara que não. Sua voz ecoava em sua mente, como uma música. Fazia tanto tempo que não a via... Devia estar mais bonita.
  - Paulo! Oi - e sorriu, aquele sorriso lindo.
  - Laura... Eu... Desculpe por isso, mas eu soube que você vai se casar e eu precisava te dizer tantas coisas, nem sei por onde começar. - olhou para ela. Ela estava radiante, linda, com os cabelos mais compridos do que da última vez que a vira.
  - Ah, eu não...
  - Deixe-me dizer - interrompeu ela - eu amo você. Sempre te amei. Me arrependo a cada segundo dos meus dias por não ter feito você feliz como merecia, por ter sido tão babaca com você tantas vezes, por ter sido egoísta, ter feito tudo que eu queria fazer sem perguntar o que você queria. Desculpa por ter excluído você dos meus planos, da minha vida, do meu cotidiano, por ter te deixado de lado, por não ter me preocupado com você, por sequer te perguntar como você estava, por ter feito você se cansar de mim. Por ter desistido de nós, por ter jogado tudo o que tínhamos fora, sem nem pensar duas vezes. Jamais quis te magoar, terminar com você foi o maior erro que já cometi nessa vida, ter achado que você não era boa o bastante pra mim foi o segundo. A culpa foi minha, você sempre quis fazer parte da minha vida, mas eu nunca deixei.
  - Olha, eu entendo você. Mas não acha que já é um pouco tarde para me dizer tudo isso? Quer dizer... Eu vou me casar em cinco dias e ai você aparece aqui, numa segunda-feira chuvosa, me faz ouvir tudo isso debaixo de um guarda-chuva, olhando pra você ai, todo ensopado... Espera que eu me comova por você ter finalmente percebido tudo? Depois de 10 meses? Depois de ter me machucado tanto?
- Me desculpe, eu não quero que você largue tudo o que tem agora para ficar comigo, não quero fazer mal algum a você... Eu só não podia deixar você se casar sem saber de tudo isso que eu acabei de te dizer. Acho que você tinha o direito de saber tudo o que eu sinto e em como eu me arrependo de ter feito você chorar tantas vezes.
  - Paulo, você me fez feliz e me fez triste também. Eu amava você como nunca amei ninguém, e acho que nunca vou amar assim de novo. Eu perdoo você por tudo, mas o Gustavo é importante para mim... Não queria te machucar, nem nada, mas eu to bem como eu estou.
  - É... Você está linda. Cada vez mais linda.
  - Obrigada... - ela olhou para baixo, encabulada, talvez magoada.
  - Me desculpe por te fazer passar por isso agora. Eu só não podia... Enfim. Eu vou embora.
  - Dê notícias.
  Ele entrou no carro, segurando sua angústia de não poder abraçá-la, beijá-la, roubá-la dali para sempre. Deu partida, olhou para ela, que enxugava uma lágrima com a ponta da manga da sua camisa azul. Sentiu-se um monstro. Queria consolá-la. Foi embora.
  Ela ainda estava parada lá, na frente do portão da casa, olhando para o carro dele. Ele podia ver pelo retrovisor. Fez a volta e parou o carro de novo. Desceu e a abraçou forte. Laura derrubou o guarda-chuva e o abraçou também, em lágrimas.
  - Eu não posso me casar com o Gustavo... Eu nunca deixei de amar você. Eu mal consigo olhar para ele sem me sentir uma mentirosa. Não posso enganá-lo assim. Mesmo que ele tenha me feito muito feliz todo esse tempo, que tenha sido um ótimo companheiro, que tenha escutado meus problemas e angústias, e tudo mais...
  - Você quer ir embora comigo?
- Quero. Quero muito. Mas não posso.
- Por quê?
- Tenho um casamento para terminar... Não queria magoar o Gustavo...
Paulo ficou parado, sem reação. Podia beijá-la? Queria tanto... Ela olhou no fundo dos olhos dele e disse:
- Te procuro assim que eu resolver tudo, tá bom? Espere por mim... Preciso fazer as coisas do melhor jeito possível, se é que há uma maneira para isso...
- Espero o tempo que for por você. - e sorriu. Há quanto tempo não sorria?
Ela entrou correndo em casa, ansiosa, acelerada. Ele voltou para o carro e foi para seu apartamento. Sentia-se estranho, mas infinitamente feliz. Tão feliz que nem conseguia conter-se. O rádio estava quase no volume máximo, e ele cantava as músicas com uma empolgação que há muito tempo não sentia. Ela seria dele para sempre. Ele a faria feliz até seu último segundo de vida. Só assim estaria completo.
Finalmente completo.

E Já Não Mais


Casualidade entreposta em vidas distintas
que se esbarram por uma livraria e trocam olhares.
Observam um ao outro de cima abaixo, analisando,
tirando conclusões - algumas até absurdas.

Dilaceram uma face em um beco escuro qualquer
pela falta de pagamento pela cocaína.
O submundo está lá fora, cômodo, mas inquieto.
Querendo manter-se em silêncio
e, ao mesmo tempo, gritar.

Um homem escreve em um caderno velho
sobre suas histórias inventivas, apenas uns contos.
Busca inspiração nas crianças correndo pela praça
que consegue ver da janela de seu pequeno apartamento.

Enquanto a música toca em seus fones de ouvido,
a jovem garota atravessa a rua sem muito olhar.
Arriscando-se em frente aos carros velozes,
distraída pela batida daquela velha canção.

Da livraria pode-se ver o carro aproximar-se da garota,
veloz, impiedoso, destrutivo.
O homem observa, incrédulo, 
a menina virar-se para ver o carro, já tão perto dela.
O traficante sai do beco e vê, ali, a poucos metros
a pequena jovem, sem vida.

Vazio


Um dia parece meio.
Pessoas vagam com destinos traçados por outros.
Decisões tomadas por outros,
acatadas por "nós".

Comodidade esplêndida transborda das almas
que já não sabem mais sentir por si mesmas.
São pequenos fantoches da grandiosidade 
de um universo que sequer conhecem.

É o molde que os fabricam aos montes.
É a mídia que controla as massas.
São as mentes já não mais tão pensantes
que interpretam o mundo aos olhos de quem os comandam.

A minoria "esclarecida" assiste chocada
ao resto do mundo se afundando em mentiras.
E no final de tudo
ninguém faz nada.

Entrelinhas

Entre as muralhas que construí à minha volta, um labirinto se expande para o outro lado de tudo, como se o inverso da vida estivesse ao meu alcance. 
Bastaria apenas abrir asas compridas e escuras parar descobrir finalmente o que acontece dentro de mim. não é a ideia de um espelho, mas sim uma ideia de profundeza eterna, que se perde por entre meus devaneios. 
Pedras pontiagudas cercam meus mais profundos sentimentos, onde ninguém jamais os poderia tocar...